A violência da Cocaína e do Crack.


Tinha mencionado, em post anterior, o site da Rede de Economia Aplicada, que parece conter trabalhos interessantes. Um que acabei de ler é o Assessing the Crack Hypothesis Using Data from a Crime Wave, do João Mello.

As drogas podem ter efeito na violência de uma cidade por pelo menos três canais: (i) alteração subjetiva do indivíduo, levando-o a praticar atos violentos; (ii) crimes do usuário para financiar o consumo; e, (iii) violência sistêmica, decorrente da criminalização do uso, causada por conflitos entre traficantes e policiais, entre as próprias gangues, e outros meios. Este último caso ocorre porque, sendo o mercado proibido, a competição acaba por descambar para a violência ao invés de ser resolvida pelo sistema legal e pelo sistema de preços.

Utilizando dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, os resultados encontrados no estudo sugerem que a violência – em particular homicídios – ocasionada pela cocaína e pelo crack é resultado, na prática, do terceiro canal.  Isto é, a violência é produto da criminalização do uso dessas substâncias. Nenhum dos outros dois motivos, que são relacionados ao uso, foram significativos para explicar a variação de crimes na cidade. Logo, caso fossem legalizadas, esperar-se-ia observar uma redução significativa destas ocorrências em São Paulo, ainda que o consumo de drogas crescesse. O significado disto é direto: os dados mostram o enorme custo da “guerra contra as drogas” que, além do dispêndio financeiro – que retira recursos preciosos e escassos da população – tem como subproduto a violência generalizada em grandes centros urbanos.

Vale reforçar a mensagem: quando deixamos de lado as intenções da política de criminalização das drogas, e observamos os dados, a cena torna-se cada vez mais clara. A principal violência da cocaína e do crack, que são drogas pesadas, ainda é a violência institucional. Sim, há dezenas de casos particulares de famílias destruídas, de usuários violentos, que poderiam ser citados – são situações que apelam para o lado emocional, que marcam o sentimento, e muitas vezes fazem a vontade de tentar mudar esta situação prevalecer a qualquer custo. Contudo, aquelas vítimas que não têm uma história comovente e que não aparecem nos jornais e na televisão são maioria. Tanto que os demais casos se tornam estatisticamente insignificantes para explicar a criminalidade. E este custo não pode ser ignorado.

Assim, a guerra contra as drogas pode até ter um objetivo claro e nobre. Mas na prática parece estar alcançando outros menos dignos de nota (como na imagem abaixo!).

Ps. Isto me lembra do artigo de Milton Friedman, The war we are losing, de mais de 20 anos, mas cuja leitura ainda vale à pena.

5 pensamentos sobre “A violência da Cocaína e do Crack.

  1. Eu acredito nos resultados estatísticos da análise, provando ser o terceiro canal o grande responsável pela criminalidade envolvendo a comercialização de drogas. Se uma pessoa é relutante em aceitar a descriminalização da compra e venda desse tipo de produto, pode-se encontrar conforto e “paz de consciência” na própria realidade: a venda de bebidas alcoólicas. O álcool, embora seu princípio ativo seja diferente em relação ao crack e a cocaína, também é uma substância psicoativa, que atinge o sistema nervoso central.

    Mas o que quero falar é outra coisa. Como Friedman diz no artigo, se nós esperarmos que todos os estudos dos quais precisamos sejam terminados para que tomemos alguma atitude, nunca faremos nada. Pensando nisso, uma política de descriminalização das drogas deve levar em conta alguns aspectos: a) a partir do momento em que cigarros de maconha e trouxas de cocaína forem vendidos na lojinha de conveniência do posto de gasolina da esquina, o que esses ex-traficantes (que não forem presos) farão para sobreviver? Cometerão outros tipos de crimes? Ou se disponibilizarão a montar uma loja formalizada para comercialização dos entorpecentes? Ou seja, o Estado tem de pensar nessas possibilidades e propor alternativas de ressocialização; b) como o Estado lidará com o uso permitido das drogas? Regulará como acontece com o álcool? Fará campanhas de conscientização dos seus malefícios?; c) a violência do canal 2 pode se tornar estatisticamente significativa, devido à própria legalização. A formalização gera encargos sociais, tributários, trabalhistas e o lucro; desta forma, um cigarro de maconha que antes custava R$ 5,00 custará R$ 25,00. Ou seja, as motivações que levavam diversos consumidores a cometerem pequenos crimes para financiar seus vícios serão as mesmas, potencializadas por uma expansão intensiva (gravidade dos crimes, devido às maiores quantias de dinheiro necessárias para o consumo da droga) e também extensiva (na medida em que diversos usuários que conseguiam manter o consumo com a própria renda agora não mais conseguem, recorrendo, assim, à violência) e d) a provável oligopolização na produção da droga e a possibilidade de surgimento da pirataria da droga, assim como acontece com os produtos de camelô.

    Entenda que eu não estou defendendo a criminalização da droga, apenas levantando algumas das muitas questões que devem ser levadas em conta para darmos um passo à frente. A descriminalização das drogas como forma de se combater a violência do tráfico tem se mostrado cada vez mais necessária, todavia, existam externalidades negativas que precisam, outrossim, ser tratadas com a devida atenção.

    Abraços!

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    • Luís, pelo que já vi a preocupação a) não seria algo de grandes consequencias, pois (i) o sujeito que está no tráfico já pratica outros crimes, não é bem algo do tipo sair da venda de drogas para entrar no mundo do crime; (ii) não são tantas pessoas assim e (iii) sem dinheiro para financiar o crime “organizado”, crimes menores são muito mais fáceis de serem evitados ou punidos.

      O mesmo para a questão c), o que se vê é que casos de violência generalizada e institucionalizada por conta do uso não ocorrem. Bem provável que aconteçam duas coisas (i) sim, mais usuários podem acabar cometendo mais crimes leves, e como os crimes em geral reduziram e como não haveria mais outras motivações sistemáticas, se identificaria o uso com responsável relevante por estes crimes. Mas aí, nesta situação, alguém poderia pensar: se o uso causa isso, vamos proíbi-lo… só que ao proibir voltaríamos à situação original, em que a violência aumentaria a tal ponto que os crimes leves parecerão besteira. E (ii) majoração do número dos que sofrem com dependentes. Nos dois casos, entretanto, o que as pessoas têm de ter em mente é o tamanho de (i) e (ii) em comparação à corrupção, violência e desperdício de recursos gerados pela proibição. Além disso, há maneiras mais racionais de se contornar o mesmo problema (dos dependentes) sem gerar a quantidade de subprodutos negativos da “guerra contra as drogas”.

      As questões b) e c) não são problemas de fato, stricto sensu. São questões a serem discutidas, mas que, penso, não atrapalhariam tanto na decisão de descriminalizar.

      Abraços!

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      • Concordo que a preocupação a) seja mais fácil de ser mitigada, justamente pela desestabilização do crime organizado: (i) os outros crimes cometidos por quem está envolvido no tráfico são em função do tráfico. A partir do momento em que este for eliminado, aqueles bandidos terão de praticar outros crimes para sobreviver, mudando o seu sentido, embora sua materialidade seja a mesma e o tráfico também possua implicações em termos de sobrevivência (não sei se assalto a bancos, sequestros e/ou latrocínios são crimes menores); (ii) a organização não é prioridade do tráfico e (iii) as questões (i) e (ii), de fato, não são problemas que colocariam dúvidas a respeito da descriminalização das drogas, até porque aqueles crimes “menores” já existem. O que defendo é que o Estado deve estar preparado para lidar com um possível aumento da participação desses hediondos nas taxas de criminalidade do país, considerando, inclusive, o problema da superlotação dos presídios. Sobre a quantidade de pessoas, considere que a cidade do Rio de Janeiro possua 7 milhões de habitantes e que destes, 22% é distribuído nas mais de 800 favelas, ou 1.540.000 pessoas. Destes moradores, vamos considerar que 1% esteja envolvido diretamente com o tráfico, ou 15.400 pessoas só na cidade do Rio. Sabe, são poucas pessoas, mas cada uma delas, ao praticar um crime, pode fazer mal a muitas pessoas, entende? Não é uma relação linear de coeficiente 1, ou seja, 15.400 bandidos vão fazer mal somente para 15.400 pessoas.

        Sobre a preocupação c) é exatamente isso, você fica num trade-off: se criminalizamos, a violência do tráfico torna-se muito alta; se permitimos a comercialização, a violência dos usuários pode ser destacada. Daí a preocupação b) (que apesar de não ser um impeditivo à descriminalização, faz parte do conjunto de ações que o Estado deve adotar para que a liberação das drogas seja implementada com sucesso), isto é, se o Estado sabe que criminalizar o uso de drogas incentiva o tráfico, mas sabe também que descriminalizá-lo pode gerar maior violência por parte dos usuários (aí entra o que falei, sobre expansão intensiva e extensiva – e pode acreditar, a intensiva acontece mesmo), deve-se, então, propor meios racionais de ressocialização, tanto de bandidos quanto de usuários. Chega-se a essa conclusão quando se aceita que os problemas advindos com a criminalização (tráfico, corrupção, desperdício de recursos escassos da sociedade, como você falou) são demais para continuar existindo.

        Levantei a preocupação d) porque sinto que os nossos velhos problemas de corrupção entre governo e empresas (lobby, por exemplo), bem assim o boicote da concorrência e a sonegação de impostos (inclusive prejudicando a formalização de vendedores), podem ser estendidas à descriminalização se o governo não estiver disposto a evitá-los. Não são impeditivos à decisão de liberar a compra e venda, mas não devem existir.

        Para terminar este longo e chato post (preciso treinar minha habilidade de síntese), quero enfatizar assim como o faz Friedman: nós defendemos o mesmo objetivo e a mesma intenção, o que nos distingue é a forma que propomos para alcançá-lo. Jerê, neste texto, temos discutido a necessidade da descriminalização das drogas. Repare que todos os pontos que levantei no primeiro e nesse post não são obstáculos a tal objetivo, são apenas questões que devem ser consideradas para que aquele seja atingido da maneira mais eficiente possível, inclusive minimizando os impactos negativos de seu alcance para a sociedade.

        Um grande abraço!

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  2. Pingback: Milton Friedman – Por DeLong « Análise Real

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