O poder da estatística, ou como você é tão previsível 2


No mundo de dados abundantes, como disse Hal Varian, saber tratá-los e interpretá-los (bem) torna-se cada vez mais fundamental, e a (boa) estatística já se torna a profissão sexy da vez.

As aplicações são as mais diversas: desde prever, pelos hábitos de compra, quando sua cliente está grávida e quando o bebê irá nascer; passando, também, por utilizar buscas do Google para fazer “previsões em tempo real”; até prever o resultado de duas eleições presidenciais.

Sobre este último ponto, o livro do Nate Silver ainda estava na minha wish list, esquecido… mas, depois do animado post do Drunkeynesian, venci a procrastinação. Livro comprado – comentários em breve eventualmente!

Milton Friedman – Por DeLong


Brad DeLong explicando por que faz seus alunos lerem o livro Free to Choose.

O livro também existe em vídeo e, para quem ainda não viu, pode ser conferido aqui.

Em 2012 Friedman, um dos mais argutos economistas, faria 100 anos.

E para voltar ao assunto das drogas, que tratamos aqui e aqui, segue vídeo do economista argumentando a favor da legalização.

A violência da Cocaína e do Crack.


Tinha mencionado, em post anterior, o site da Rede de Economia Aplicada, que parece conter trabalhos interessantes. Um que acabei de ler é o Assessing the Crack Hypothesis Using Data from a Crime Wave, do João Mello.

As drogas podem ter efeito na violência de uma cidade por pelo menos três canais: (i) alteração subjetiva do indivíduo, levando-o a praticar atos violentos; (ii) crimes do usuário para financiar o consumo; e, (iii) violência sistêmica, decorrente da criminalização do uso, causada por conflitos entre traficantes e policiais, entre as próprias gangues, e outros meios. Este último caso ocorre porque, sendo o mercado proibido, a competição acaba por descambar para a violência ao invés de ser resolvida pelo sistema legal e pelo sistema de preços.

Utilizando dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, os resultados encontrados no estudo sugerem que a violência – em particular homicídios – ocasionada pela cocaína e pelo crack é resultado, na prática, do terceiro canal.  Isto é, a violência é produto da criminalização do uso dessas substâncias. Nenhum dos outros dois motivos, que são relacionados ao uso, foram significativos para explicar a variação de crimes na cidade. Logo, caso fossem legalizadas, esperar-se-ia observar uma redução significativa destas ocorrências em São Paulo, ainda que o consumo de drogas crescesse. O significado disto é direto: os dados mostram o enorme custo da “guerra contra as drogas” que, além do dispêndio financeiro – que retira recursos preciosos e escassos da população – tem como subproduto a violência generalizada em grandes centros urbanos.

Vale reforçar a mensagem: quando deixamos de lado as intenções da política de criminalização das drogas, e observamos os dados, a cena torna-se cada vez mais clara. A principal violência da cocaína e do crack, que são drogas pesadas, ainda é a violência institucional. Sim, há dezenas de casos particulares de famílias destruídas, de usuários violentos, que poderiam ser citados – são situações que apelam para o lado emocional, que marcam o sentimento, e muitas vezes fazem a vontade de tentar mudar esta situação prevalecer a qualquer custo. Contudo, aquelas vítimas que não têm uma história comovente e que não aparecem nos jornais e na televisão são maioria. Tanto que os demais casos se tornam estatisticamente insignificantes para explicar a criminalidade. E este custo não pode ser ignorado.

Assim, a guerra contra as drogas pode até ter um objetivo claro e nobre. Mas na prática parece estar alcançando outros menos dignos de nota (como na imagem abaixo!).

Ps. Isto me lembra do artigo de Milton Friedman, The war we are losing, de mais de 20 anos, mas cuja leitura ainda vale à pena.

Sobre intenções e resultados


Pode ser clichê, ou até ingenuidade, mas, de boas intenções o congresso está cheio. Tudo bem, mesmo que não esteja, para o presente propósito suporemos que sim. Seguiremos o conselho de Du Pont:

(…) it is necessary to be gracious as to intentions; one should believe them good, and apparently they are; but we do not have to be gracious at all to inconsistent logic or to absurd reasoning. Bad logicians have committed more involuntary crimes than bad men have done intentionally.

Apesar da abundante generosidade das intenções do congresso nacional e do governo federal, que têm a pretensão de ser verdadeiros pais e mães dos demais cidadãos, nem sempre suas ações geram bons frutos. A sociedade é complexa e, em geral, os formuladores de política desconsideram o contexto em que se encontram, as reações dos indivíduos sujeitos à política, conseqüências de longo prazo ou em cirscunstâncias diferentes da que inicialmente imaginaram, entre outras variáveis . Por conseguinte, não somente obtêm-se conseqüências indesejáveis, como freqüentemente observam-se efeitos contrários ao que se pretendia. Isso não seria problema se as pessoas julgassem leis e políticas segundo seus resultados. Entretanto, geralmente, o que se vê são julgamentos e defesas intransigentes, fundamentadas apenas, ou na maior parte, nas intenções.

O que você acharia de uma lei que obrigasse o responsável por um acidente de trânsito a arcar com as despesas médicas dos feridos? Muito provavelmente, várias pessoas diriam que se trata de uma lei mais do que justa. Moralmente, está correta, afinal, quem fez o dano que arque com as conseqüências, certo? Os incentivos também seriam positivos, pois, ciente de que terá de arcar com possíveis despesas, o motorista seria mais prudente. Mas o diabo mora nos detalhes. O que poderia pensar um motorista, após um acidente, caso vislumbrasse gastos médicos superiores à indenização por morte? Poderia raciocinar de forma a acontecer isto aqui. Sim, o motorista quis se certificar de que a criança estava morta, pois teria de pagar menos. Neste contexto específico, uma lei moralmente correta, com a melhor das intenções, gerou resultado oposto do que se esperava. Este tipo de reação já seria esperado se utilizássemos a teoria econômica do crime na análise da lei. Se algum dia você já se perguntou por que não colocamos leis super-rígidas para quaisquer tipos de infração, é justamente por isso. A intenção pode ser boa, todavia, se a pena por um roubo e um latrocínio forem iguais, o assaltante não irá mais pensar duas vezes antes de matar.

Tomemos agora outro exemplo – a reforma agrária no Brasil. Bernardo Mueller e demais autores trazem evidências de que, devido a inconsistências administrativas e jurídicas com relação ao uso da terra, que resultam em direitos de propriedade inseguros, as políticas de reforma agrária tendem a levar a um aumento do uso da violência e do desmatamento maiores do que ocorreriam caso não fossem aplicadas. Sendo um pouco mais específico, os conflitos se originam de uma inconsistência legal que, de um lado (código civil), garante ao proprietário de terra o seu usufruto, mas que, de outro (constituição), garante aos potenciais invasores o direito à reforma agrária (capítulo III). Devido à insegurança jurídica, o desmatamento torna-se um instrumento para se aumentarem as garantias de posse da terra. Para o dono, o desmatamento é utilizado para colocar a terra em uso produtivo, e minimizar o risco de expropriação (inciso II, art. 185, CF). Já para o invasor, desmatar a terra e fazer benfeitorias aumentam as chances de receber alguma indenização caso seja despejado. Outra questão é o fato de que, em média, os conflitos rurais têm maior predominância nos locais onde, ironicamente, a atuação do INCRA é mais forte – os detalhes podem ser vistos no artigo. Além dos óbvios danos físicos e materiais desses problemas – o que em si já é preocupante – o advento de conflitos violentos também teria o potencial de reduzir o número de arrendamentos. Decerto não eram essas as intenções das políticas de reforma agrária. Porém, estes são os resultados.

Por fim, vejamos mais um exemplo, o mais clichê de todos – a criminalização das drogas. Por ser algo já bastante conhecido, não me alongarei. As intenções por trás da criminalização são as melhores: as drogas podem viciar, arruinar vidas de famílias, causar danos à saúde, entre outros malefícios – assim, nada mais moral e justo do que desejar o fim de seu uso. Mas os resultados não intencionais desta política também ferem o bom senso do cidadão: criação e fortalecimento de crime organizado, desvio de recursos públicos para o combate às drogas (ao invés de financiar atividades mais essenciais), corrupção governamental, incentivo à invenção de drogas mais potentes e mais baratas. Da mesma forma que o pequeno chinês, que foi vítima de incentivos perversos, esta é uma política que cria uma série de outras vítimas, como aqueles que não têm policiamento suficiente a suas portas pois agora há mais policiais corrompidos ou ocupados na luta contra as drogas.

A lista de exemplos poderia ser estendida. Vemos atualmente muitas defesas de políticas públicas e leis que são fundamentadas nas intenções e pouco se discutem os resultados. Financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais com a intenção de reduzir a corrupção; fixação de um salário mínimo nacional com a intenção de acabar com a miséria; aumento do IPI para carros importados com a alegada intenção de proteger empregos nacionais… algo que pode nos ajudar a sair do campo das vontades e dos desejos, para entrar no campo dos fatos e resultados são uma boa teoria, bons dados e estatística. Assim, em um debate, suponhamos todos que temos as melhores intenções. Não obstante, esperam-se argumentações teoricamente fundamentadas, evidências bem tratadas, e não apenas wishful thinking.