O p-valor (ou valor p) é, talvez, a estatística mais difundida entre médicos, psicólogos, economistas e quase toda profissão que utilize inferência estatística.
Virtualmente todo mundo que fez um curso de graduação ou pós-graduação já se deparou com o p-valor, seja nas disciplinas de estatística, seja ao realizar um trabalho empírico aplicado.
Entretanto, quase ninguém sabe muito bem o que o p-valor é ou pode ser considerado quando se trata de evidência. Sobre este ponto, há um artigo de 1996, do Schervish, que mostra como o p-valor não é uma medida coerente de evidência. Como assim? Bom, deixe-me tentar explicar de uma maneira simples.
Em geral, alguém é considerado obeso quando é muito gordo: o conceito de obeso pressupõe o conceito de gordo. Em outras palavras, é impossível ser obeso sem ser gordo.
Representemos obeso por O e gordo por G. Em termos formais, dizemos que O -> G (leia-se, O implica em G), isto é, se você é obeso, então você é gordo.
Note que o fato de O -> G não quer dizer que a volta é válida, isto é que, G -> O. Você pode ser gordo, mas apenas gordinho, ou gordo-magro, ou semi-gordo (ou diversos outros nomes que inventam por aí), mas pode não ser muito gordo e, consequentemente, não é obeso.
Bom, suponha agora que você queira descobrir se um determinado indivíduo é gordo ou é obeso. Suponha, também, que você tenha dados de exames deste indivíduo, que forneçam evidência para a hipótese de ele ser gordo ou ser obeso. Como uma boa evidência deveria se comportar?
Note que uma evidência “bem comportada” deveria ser coerente no seguinte sentido: se ela é uma evidência que dê bons indícios de que o indivíduo seja obeso, ela deve ser tão boa ou melhor evidência de que o indivíduo seja gordo. Por quê? Ora, porque, como vimos, se você é obeso, necessariamente você é gordo. Uma medida de evidência que indicasse que você é obeso, mas não é gordo, seria contraditória, certo?
Mas é isso que o p-valor, de certo modo, faz.
Por exemplo, no exemplo simples de uma distribuição normal trazido por Schervish, utilizando um teste uniformemente mais poderoso não viesado para hipóteses intervalares, quando se observa x=2,18, para uma hipótese de que a média esteja no intervalo [-0,82, 0,52], o p-valor é de 0,0498. Já para uma hipótese de que a média esteja no intervalo [-0,5, 0,5] o p-valor é de 0,0502. Note, entretanto, que, se a média não estiver no primeiro intervalo, necessariamente ela não está no segundo intervalo. Mas a evidência é “mais forte” contra a primeira hipótese do que contra a segunda. E se o limiar de 5% (que é comumente adotado) fosse utilizado para rejeitar ou aceitar uma hipótese (isso por si só já poderia ser bastante problemático, pois não rejeitar não é a mesma coisa de aceitar), você diria que a média não está em [-0,82, 0,52] mas que está em [-0,5, 0,5]. Isso é mais ou menos a mesma coisa de dizer que alguém é obeso, mas não é gordo.
Há vários problemas de interpretação com os métodos de inferência que estão sendo utilizados atualmente, e pretendo trazer outros pontos mais a frente.
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