Quando um comentário de blog vira um post… e depois um paper.


Resumo da ópera:

1) Matthew Rognlie, estudante do MIT, postou um comentário no Marginal Revolution sobre um problema na obra de Piketty, O Capital no Século 21.

2) O argumento deu origem a alguns posts (I, II e outros) no próprio MR.  E obteve repercussão.

3) Isso acabou virando um artigo para o Brookings Papers on Economic Activity  comentado por economistas de peso, como, por exemplo, o Nobel Robert Solow.

Para uma versão maior da história,  há uma matéria bacana no Washington Post.

 

É hora de comprar ouro?


O texto de Jonas Faga Jr, recomendando a compra de ouro como um seguro, tem alguns pontos dos quais discordo e tenho discutido isso com alguns economistas. Para consolidar a discussão em um local só, seguem neste post alguns questionamentos. Jonas sugere que: (i) apesar de o preço do ouro flutuar no curto prazo, o metal mantém seu poder de compra no longo prazo; (ii) consequentemente, ele é um hedge para a inflação no longo prazo; e, por fim, (iii) o ouro seria um seguro contra catástrofes financeiras.

Os pontos (i) e (ii), a rigor, não me parecem verdade, pelo menos não para o que muita gente consideraria longo prazo. Como ilustração, basta um contra-exemplo: o período de 20 anos, entre 1980 e 1999, em que o preço do ouro, em dólar, despencou em termos reais (considerando a inflação).

Preço médio do Ouro a dólares constantes de 2009

Ouro 1980 1999

No blog Marginal Revolution, Tyler Cowen traz para discussão o trabalho Erb e Harvey que, dentre outras coisas, aponta justamente esta falta de correlação entre inflação e retorno do ouro em, pelo menos, períodos tão longos quanto 20 anos.

O ponto (iii), por sua vez, pode ser verdade, mas não deixa de ser especulação. Como se sabe, o ouro, historicamente, foi utilizado como moeda-mercadoria; e, como moeda, o ouro tem um menor risco de contra-parte, intrínseco a moedas fiduciárias. Deste modo, por exemplo, em um caso de catástrofe generalizada, seguida de falências de bancos e drástica perda de credibilidade das moedas fiduciárias, poderia ser que o ouro voltasse a exercer esta função em escala global. A demanda por ouro cresceria em magnitudes sem precedentes e, consequentemente, os ganhos da aplicação em ouro poderiam compensar, em alguma medida, as perdas dos outros ativos. Mas crises podem ocorrer de diversas formas. É possível imaginar diversos cenários em que o preço do ouro cairia mesmo em meio a uma crise financeira, como, por exemplo, em uma situação com a estagnação de grandes países emergentes (como a China) ou países em situação de crise fiscal, juntamente com a venda de ouro por parte desses bancos centrais.

Tendo isto em vista, você deve ou não comprar ouro como um seguro de longo prazo? A resposta depende de quais cenários futuros são mais plausíveis. E qual cenário, dentre todos, é mais plausível? Não sei. Mas é preciso estar claro que o ouro não é especial e tampouco é um seguro no sentido usual do termo. Você pode tanto ganhar quanto perder muito dinheiro, mesmo no longo prazo. Veja, não estou dizendo que seja uma má ideia comprar ouro agora, ou que diversificar seu portfólio seja ruim. Apenas enfatizo que, para você saber se deve ou não comprar ouro, seja com o horizonte de curto prazo, como 1 ano, ou mesmo com o horizonte de longo prazo, como 20 anos, você ainda tem de prever a evolução da oferta e da demanda pelo metal, da mesma forma que você faria para qualquer outro ativo.

PS: além do Marginal Revolution, a recente queda do preço do ouro tem tido repercussão em outros blogs como no EconBrowser e no Economist’s View.

Capitalismo para os pobres. O supra-sumo da discriminação de preços.


Os projetos estão andando, pouco tempo para procrastinar. Mas nem por isso deixo de compartilhar leituras interessantes de outros blogs, que atualmente tem mais tempo de procrastinação produtiva do que este.

Diogo Costa entra no mundo da blogosfera com o provocativo Capitalismo Para os Pobres. Diogo busca recuperar o caráter “progressista” do capitalismo, mostrando como este, quando bem aplicado, beneficia os mais pobres; busca diferenciar entre defender o mercado para todos, e defender privilégios de mercado para algumas empresas, que é o que atualmente se vê no Brasil: um capitalismo de compadres (ou de laços).

Enquanto os ricos têm capitalismo, aos pobres resta o fardo de uma economia ineficiente e regulada:

Pense no varejo. Rico faz compras em Miami. Pobre fica entre comprar produtos chineses altamente tarifados ou o substituto nacional altamente tributado. Pense no trabalho. Rico trabalha como Pessoa Jurídica. Os encargos trabalhistas não abocanhem seu salário. Pobre trabalha amarrado pela CLT. Todo empregado pobre é um trabalhador mais suas circunstâncias fiscais. Pense nas finanças. Rico consegue empréstimos subsidiados pelo BNDES. Pobre tem que pagar juros exorbitantes incluindo os subsídios governamentais. Pense na construção civil. Rico consegue licitação de obras com garantia lucros. Os pobres pagam a conta caso o projeto do rico dê errado. Pense nos impostos. A tributação brasileira é regressiva. Ricos pagam proporcionalmente menos tributos que os pobres.

Em post(s) futuro(s), vou tentar mostrar que essa visão “progressista” sobre o livre-mercado não é ou foi esposada somente por liberais, mas também o foi por muitos dos primeiros reformistas sociais (socialistas, anarquistas).

Alex Tabarrok nos traz um caso curioso de discriminação de preços, talvez o mais engenhoso que já vi.

Você já se perguntou por que companhias áreas vendem a passagem mais cara quanto mais próximo se está da viagem?

É uma forma de discriminar preços. Em geral, aqueles que compram a passagem em cima da hora tem algum compromisso inadiável (como uma reunião de trabalho) e estão dispostos a pagar mais caro. Os que desejam apenas passear são mais flexíveis e mais sensíveis a preços; se a passagem para certo destino e data ficar muito cara, muda-se ou a data, ou o destino, ou ambos. Assim, quem compra com antecedência, em geral, é aquele com a demanda mais elástica, e as companhias aéreas dão desconto.

Mas a única forma de discriminar preços seria pelo tempo da compra? Não. Aparentemente, a empresa GetGoing.com inventou uma nova forma: você escolhe dois destinos para os quais deseja ir e a data. A empresa então sorteia um desses destinos aleatoriamente e compra para você, com cerca de 40% de desconto. A relação é ganha-ganha: você viaja a menor custo; a companhia aérea consegue discriminar preços de maneira mais eficiente, pois, se você é tão flexível assim com relação ao local, você é um passageiro de demanda bastante elástica.

Comunidades tribais são mais violentas? O quão próxima é a distribuição normal? O papel do BNDES.


Alguns links aleatórios.

1) Não existe má publicidade 2 (o primeiro foi com relação ao livro do Sandel). Recém publicado livro do Jared Diamond (The World Until Yesterday: What Can We Learn from Traditional Societies?) parece ter provocado a ira (aqui e aqui) de grupos defensores das comunidades tribais. Resultado: comprei a versão para Kindle.

(Via Marginal Revolution)

2) Seguem alguns posts do Larry Wasserman que queria compartilhar há algum tempo, mas havia procrastinado:

Review do livro de Nassim Taleb, Antifragile: Things That Gain from Disorder, apenas lido pela metade (because only sissy fragilistas finish a book before reviewing it);

– Sobre bootstrapping I e II;

– Sobre teoremas de upper-bound para erros de aproximação pela curva normal (vale conferir uma sugestão que surgiu nos comentários do post, um texto histórico, bacana, sobre robustez do Stigler).

3) Sobre o papel do BNDES. Artigo de Maurício Canêdo Pinheiro, no Estadão, bota em xeque a efetividade da instituição. Como suporte, menciona o working paper do Lazzarini (What Do Development Banks Do? Evidence from Brazil, 2002-2009). Lembro-me de terem comentado bastante sobre esse artigo na última Anpec, e tenho de confessar que as conclusões do paper são bastante alinhadas com minhas crenças e intuições a priori. A despeito disso, com base em uma passada de olho, fiquei na dúvida se os dados apresentados corroboram conclusões fortes. Para não falar mais sem ler com o devido cuidado, isso fica para outro dia.

Um efeito da pobreza


Tinha deixado escapar um post bastante interessante do Alex Tabarrok no Marginal Revolution sobre um artigo que discute um possível efeito imediato da pobreza: com recursos escassos, há uma tendência de focarmos naquilo que é mais urgente e não naquilo que é mais importante.

O paper buscou mostrar, com experimentos, que jogadores com menos “recursos” durante a partida acabaram por, na média, focar nas rodadas mais próximas, prestando menos atenção nas rodadas futuras. Este resultado é intuitivo, pois, dado que nossa razão é limitada, quanto mais problemas urgentes tivermos para lidar, mais difícil será dedicar-se a problemas não-urgentes mas extremamente importantes. Não só esses resultados podem sinalizar um possível (e muitas vezes negligenciado) efeito imediato da pobreza, como também dão (mais) uma explicação geral sobre muitas decisões que tomamos contra nosso próprio bem-estar no longo-prazo.