Juros
Sobre a acurácia das variáveis econômicas II
Em post anterior tratamos da importância de se conhecer bem as variáveis com que se trabalha. Muitas vezes o economista utiliza dados que, por sua dificuldade de mensuração, são estimados por terceiros (IBGE, Banco Central, Tesouro Nacional etc). Assim, há uma tendência a se saber muito pouco sobre como esses dados são produzidos na prática e, sem entender quais suas limitações e quais seus pontos fortes, se esquece de tratá-los devidamente como estimativas.
Neste sentido, gostei muito de ver que outros blogs tem compartilhado desta mesma preocupação.
Dave Giles, por exemplo, resume algumas verdades importantes sobre dados oficiais, que são comumente esquecidas:
- Dados são revisados o tempo inteiro: o número que saiu ontem do PIB pode mudar drasticamente amanhã.
- Dados somem: eu já enfrentei isso com uma série de horas de trabalho que estava disponível no IPEA Data e que, alguns meses depois, simplesmente foi descontinuada e excluída.
- As definições e metodologia mudam: por exemplo, a metodologia do Censo de Capitais Estrangeiros no País mudou recentemente. O usuário tem que ter isto em mente e não pode simplesmente comparar um dado com outro sem ajustes.
- Os dados oficiais são estimativas: sobre isso tratamos no post anterior!
Dave Giles também recomendou alguns papers sobre o assunto e tratou de um interessante relatório sobre a qualidade dos dados chineses, aspecto fundamental para quem analisa aquela economia.
Já Mark Thoma começou a se dar conta do problema ao ler a notícia de que o IBGE americano está incorporando novos aspectos às contas nacionais que, simplesmente, podem “reescrever a história econômica”. Você já parou para se perguntar quantos “fatos estilizados” que conhecemos, como, por exemplo, a semi-estagnação de algumas economias desenvolvidas, podem (ou não) ser fruto da adoção de uma ou outra metodologia? Em posts futuros trarei exemplos interessantes de dados oficiais que são estimativas, mas agora queria tratar sobre aspectos que norteiam a discussão sobre a qualidade dos dados.
Sobre este quesito, o FMI tem um site inteiramente dedicado ao assunto: o Data Quality Reference Site. Trata-se de um louvável esforço para promover a agenda de pesquisa sobre a qualidade dos dados (macro)econômicos. O Fundo criou um interessante marco para a avaliação da qualidade – em um aspecto ainda qualitativo e não quantitativo – dividido em 6 dimensões:
0 – Condições Prévias: busca verificar alguns aspectos institucionais para a produção do dado, como o entorno jurídico e a quantidade de recursos disponível;
1 – Garantias de Integridade: avalia aspectos como o profissionalismo, a transparência e as normas éticas da produção;
2 – Rigor Metodológico: inspeciona se os conceitos e definições adotados estão conformes ao padrão internacional, se o alcance da pesquisa é suficiente, se as categorizações são adequadas;
3 – Acurácia e Confiança: verificam a adequação das fontes de dados utilizadas, se há um processo de avaliação, validação e revisão dos dados, se as técnicas estatísticas são sólidas;
4 – Utilidade para o Usuário: trata de questões de periodicidade, pontualidade, consistência e revisão;
5 – Acesso: aborda questões de acesso aos dado, acesso aos metadados (isso é, aos dados sobre como os dados foram produzidos) e assistência aos usuários.
O ideal seria termos, também, uma noção quantitativa do erro, mas este esforço já é um grande passo. Você pode encontrar o detalhamento destes pontos para contas nacionais, contas externas, finanças públicas, índices de preço, entre outros, em seu respectivo Data Quality Assessment Framework.
Você, que já trabalhou ou pretende trabalhar com dados em painel, comparando diversos países, já teve a curiosidade de se perguntar sobre a diferente qualidade dos dados que está misturando?
Para alguns países, é possível fazer isso analisando o seu Report on the Observance of Standards and Codes (mais conhecido como ROSC) sobre dados. Tomando o caso do Chile como exemplo, que possui um ROSC para dados no ano de 2007, seria possível descobrir que havia sérios problemas no escopo da pesquisa de índices de preços, e que havia propostas para solucionar a questão em dezembro de 2008. Perceba que, para quem trabalha com dados de preços chilenos antes de 2007, esta é uma informação fundamental!
Os preços dos imóveis estão caros… então, os aluguéis irão subir?
Brasília, como quase toda capital, enfrenta forte alta nos preços dos imóveis, e isso preocupa bastante gente, pois torna o custo de vida na cidade caríssimo. Os gastos com habitação são, em geral, o maior componente de custos de uma família, respondendo em média por 25% do orçamento familiar. Mas o imóvel é um bem peculiar e há também uma outra preocupação que freqüentemente aparece: esta alta de preços é sustentável? Esse questionamento ocorre porque o imóvel também é considerado um ativo atraente para investimento – pelo menos aqui no Brasil, talvez pelo histórico de alta inflação.
Com relação a esta última dúvida, recentemente ouvi um sujeito dizer sobre este tipo de investimento em Brasília:
… comprar imóvel para alugar é um bom negócio, pois a tendência é que o aluguel retorne à sua média histórica com relação ao valor do imóvel…
Bom, pode ser que ele até esteja correto com relação à previsão de alta dos aluguéis. Contudo, a justificativa é um pouco torta.
Um imóvel é um ativo que presta serviços. Assim, como qualquer ativo, seu preço é determinado pelo fluxo de caixa futuro descontado que será gerado por este ativo – não é o contrário. Sendo mais claro, o imóvel presta serviços de habitação cujo valor de mercado é refletido nos preços dos aluguéis. O preço “justo” do imóvel deve, em média, refletir esse fluxo de renda gerado pelo aluguel. Dessa forma, sim, pode ser que um preço alto hoje sinalize uma expectativa, por parte dos investidores, de um aumento nos preços dos aluguéis – mas, cabe notar a diferença. O preço aumenta hoje porque o aluguel irá aumentar no futuro e não o aluguel irá aumentar no futuro porque o preço está alto hoje. A causalidade é contrária.
Poderíamos ver um outro caso também. Pode ter gente surfando na onda de aumento de preços e comprando hoje para vender amanhã porque o preço está em tendência de alta. Esta pessoa pode sequer saber se há fundamentos para que a demanda por aluguel aumente, apenas sabe que o preço está subindo. Neste caso, observaríamos um aumento nos preços dos imóveis hoje, contudo, o preço do aluguel não acompanharia essas expectativas. Há um blog (parece estar meio parado) que discute essa possibilidade.
Por fim, cabe esclarecer a questão da “média histórica” em relação ao valor do imóvel. Como é de notório conhecimento, essa regra de bolso é de cerca de 0,5%. Todavia, este não é um número cabalístico, ele tem de ter fundamentos econômicos por trás – entre estes, incluem-se quanto se paga de juros por um título do governo, a segurança institucional ao proprietário do imóvel, rendimentos da poupança… e se esses fatores mudam ao longo do tempo, a “média histórica” também deve mudar.
Os bancos são terroristas inflacionários e fazem pressão nas previsões de inflação para que o BC aumente juros.
Não.
Na verdade, entre 2000 e 2010, segundo a tese de doutorado de Emilio Chernavski, as previsões do relatório FOCUS são deflacionistas: erraram sistematicamente, para baixo, em suas previsões de inflação.
E erraram nos outros agregados também, às vezes mais para cima (como produção industrial) e às vezes mais para baixo (como PIB).
Contudo, se você for um daqueles que acreditam em teoria da conspiração, é bem provável que a informação acima não te convença. Pelo contrário, haverá o efeito tiro-pela-culatra (vale a pena ler).
PS: também já se tratou disto aqui.
Os juros altos e a ganância dos bancos
Mesmo em faculdades de economia, ainda há quem se entregue ao discurso fácil de que juros altos são sempre desejados pelos bancos. Assim, quando o Banco Central aumenta a taxa básica, estaria sendo cúmplice do mercado financeiro; e, por outro lado, quando a autoridade monetária a reduz, estaria sendo ousada, jogando contra os bancos e a favor da sociedade.
Isso não é bem verdade e pretendia tratar do assunto futuramente. Mas acabei de ver o novo post do Alexandre Schwartsman. Este e outro post um pouco mais antigo, que desmistifica a idéia de que o mercado faz “terrorismo inflacionário” para o aumento dos juros, dão conta – e muito bem – do recado.