Os bancos são terroristas inflacionários e fazem pressão nas previsões de inflação para que o BC aumente juros.


Não.

Na verdade, entre 2000 e 2010, segundo a tese de doutorado de Emilio Chernavski, as previsões do relatório FOCUS são deflacionistas: erraram sistematicamente, para baixo, em suas previsões de inflação.

E erraram nos outros agregados também, às vezes mais para cima (como produção industrial) e às vezes mais para baixo (como PIB).

Contudo, se você for um daqueles que acreditam em teoria da conspiração, é bem provável que a informação acima não te convença. Pelo contrário, haverá o efeito tiro-pela-culatra (vale a pena ler).

PS: também já se tratou disto aqui.

Por que você vai mentir novamente para você mesmo neste fim de ano?


O final de ano está chegando e muito provavelmente você está com uma lista de autoenganação promessas e metas a cumprir para que 2012 seja um ano muito melhor. Como você já deve saber, apesar de não querer acreditar nisto, é bem provável que você não cumpra nenhuma delas. Uma das hipóteses que os economistas criaram para tentar explicar por que você faz isso é a seguinte: você desconta o tempo hiperbolicamente.

Se alguém te oferecesse R$1,00 hoje ou R$1,50 amanhã, você muito provavelmente escolheria R$1,00 hoje – para que esperar mais um dia por cinquenta centavos? Já se, há um ano atrás, tivessem te oferecido R$1,00 daqui a um ano ou R$1,50 daqui a um ano e um dia, você poderia pensar, “ora, já vou esperar um ano mesmo, por que não esperar mais um dia?”, e aceitar a proposta. Grosso modo, existe um eterno conflito entre dois vocês: o você do presente e o você do futuro. O você do presente é ansioso e quer prazer na hora. O você do futuro (na sua cabeça do presente) é um sujeito parcimonioso, que aguenta esperar para conseguir maiores e melhores recompensas. 

E o que isso tem a ver com as promessas de fim de ano? Bem, quando o ano está por terminar, você traça suas metas para o ano seguinte, só que descontando o tempo hiperbolicamente – você estabelece que vai perder peso, que vai poupar dinheiro, que vai trocar de emprego, que vai aprender a tocar um instrumento, enfim, as mais interessantes mentiras metas que você consegue imaginar. Vislumbrando o ano que vem no dia de hoje, fazer essas coisas parece tão fácil quanto trocar R$1,00 daqui a um ano por R$1,50 daqui a um ano e um dia.

O problema é que quando chega a vez de você tomar a decisão no futuro, acontece o que chamamos de inconsistência dinâmica. Infelizmente, em geral, você acaba por optar por aquilo que não tinha escolhido. No planejamento, feito no presente, mas olhando para o futuro, parecia tão fácil trocar hamburguer por salada para poder emagrecer. Todavia, na hora que você tem de escolher de fato, não é tão fácil assim… e você cede.  Da mesma forma que checar atualizações do facebook – e terminar por ler este texto chato – se tornou mais atraente do que aquela atividade importante que você tinha planejado fazer agora.

Ciente disto, você pode criar mecanismos para transformar sua procrastinação em algo produtivo. Ou mecanismos para te impedir da tentação hedonista do seu eu do presente. Por fim, e o mais provável, pode conviver com esta autoenganação eternamente, e agora tendo um nome bonito para explicar um dos motivos pelos quais ela acontece.

Esperto era o Ulisses.

Feliz 2012!

A violência da Cocaína e do Crack.


Tinha mencionado, em post anterior, o site da Rede de Economia Aplicada, que parece conter trabalhos interessantes. Um que acabei de ler é o Assessing the Crack Hypothesis Using Data from a Crime Wave, do João Mello.

As drogas podem ter efeito na violência de uma cidade por pelo menos três canais: (i) alteração subjetiva do indivíduo, levando-o a praticar atos violentos; (ii) crimes do usuário para financiar o consumo; e, (iii) violência sistêmica, decorrente da criminalização do uso, causada por conflitos entre traficantes e policiais, entre as próprias gangues, e outros meios. Este último caso ocorre porque, sendo o mercado proibido, a competição acaba por descambar para a violência ao invés de ser resolvida pelo sistema legal e pelo sistema de preços.

Utilizando dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, os resultados encontrados no estudo sugerem que a violência – em particular homicídios – ocasionada pela cocaína e pelo crack é resultado, na prática, do terceiro canal.  Isto é, a violência é produto da criminalização do uso dessas substâncias. Nenhum dos outros dois motivos, que são relacionados ao uso, foram significativos para explicar a variação de crimes na cidade. Logo, caso fossem legalizadas, esperar-se-ia observar uma redução significativa destas ocorrências em São Paulo, ainda que o consumo de drogas crescesse. O significado disto é direto: os dados mostram o enorme custo da “guerra contra as drogas” que, além do dispêndio financeiro – que retira recursos preciosos e escassos da população – tem como subproduto a violência generalizada em grandes centros urbanos.

Vale reforçar a mensagem: quando deixamos de lado as intenções da política de criminalização das drogas, e observamos os dados, a cena torna-se cada vez mais clara. A principal violência da cocaína e do crack, que são drogas pesadas, ainda é a violência institucional. Sim, há dezenas de casos particulares de famílias destruídas, de usuários violentos, que poderiam ser citados – são situações que apelam para o lado emocional, que marcam o sentimento, e muitas vezes fazem a vontade de tentar mudar esta situação prevalecer a qualquer custo. Contudo, aquelas vítimas que não têm uma história comovente e que não aparecem nos jornais e na televisão são maioria. Tanto que os demais casos se tornam estatisticamente insignificantes para explicar a criminalidade. E este custo não pode ser ignorado.

Assim, a guerra contra as drogas pode até ter um objetivo claro e nobre. Mas na prática parece estar alcançando outros menos dignos de nota (como na imagem abaixo!).

Ps. Isto me lembra do artigo de Milton Friedman, The war we are losing, de mais de 20 anos, mas cuja leitura ainda vale à pena.

Ana Maria Braga e a educação econômica


Algumas pessoas têm um fetiche de serem educadas pela Ana Maria Braga, pelo Faustão ou pelo Wagner Moura. Eu já tenho o pé atrás e prefiro que os artistas se dediquem àquilo que têm vantagens comparativas – como se comunicar com a dona de casa, não deixar os entrevistados falarem ao vivo, ou atuar. Quando algum deles teima em ir contra sua vocação para tentar comentar sobre economia ou política começa aquele mau pressentimento. Alguma coisa vai sair errada (como no caso do vídeo sobre Belo Monte, que prefiro nem comentar pois a internet já está saturada do assunto). E não foi que em uma quarta-feira (do mês passado, este post já estava escrito) antes de ir trabalhar, justamente em um dos poucos dias em que resolvi ver televisão enquanto tomava café, a Ana Maria Braga resolveu falar de inflação?

Talvez com o intuito de educar as donas de casa, a apresentadora discutiu o aumento dos preços das mensalidades escolares, que em algum lugar do país, se não me engano, São Paulo, parece ter sido de 12%. Era um absurdo. Como os gananciosos diretores de escola poderiam pedir um aumento de 12% se a inflação deste ano, em tese, não passaria de 6,5%? Queriam ganhar quase 6% em cima do consumidor!

Bem, como o leitor que for economista sabe (ou deveria saber), a inflação oficial é baseada em um índice de preços, mais especificamente o IPCA, escolhido entre vários índices de preços possíveis. O índice de preços é uma média ponderada. No caso do IPCA, a ponderação tem como base o orçamento de famílias com rendimento de 1 a 40 salários mínimos. Perceba que uma escola em particular não necessariamente – ou, francamente, nunca – enfrentará gastos que sejam semelhantes à cesta de bens e serviços das famílias, que é o IPCA. A escola tem de responder à variação nos seus custos e em sua demanda, não à variação de um índice de preços ao consumidor. Então, não, a variação do preço da mensalidade escolar não necessariamente irá, nem deveria seguir, o IPCA. Na verdade, ela é justamente um dos próprios componentes do índice.

Agora, imagine a confusão que a Ana vai causar em sua espectadora: como a inflação não passa de uma média, sempre haverá aqueles preços que subiram mais e outros menos do que a própria média. E segundo os ensinamentos da apresentadora, os acima da média são os preços daqueles setores ávidos por lucros que quiseram abusar e ganhar mais do que a inflação. Já os abaixo da média, daqueles que foram menos gananciosos e até agüentaram absorver um pouco da inflação pelo bem do consumidor… e no final, o porquê de os preços estarem subindo, a inflação em si, torna-se ainda mais inexplicável.

Os casados são mais felizes? Ou sobre causas e conseqüências.


Tratei anteriormente sobre a troca entre meios e fins bem como entre intenções e resultados. Agora, para passar o tempo antes de escrever a dissertação, gostaria de falar de uma confusão muito mais intrincada. Até, muitas vezes, a depender do problema, eternamente insolúvel: aquela entre causa e conseqüência.

Suponha que alguém lhe apresente dados de uma pesquisa em que se constate que a felicidade de pessoas casadas é maior do que a dos solteiros. A partir daí podemos concluir que casar deixa, na média, as pessoas mais felizes e, portanto, recomendar que as pessoas se casem, certo?

Bem, antes de concluirmos apressadamente, que tal pensarmos na seguinte hipótese. Pessoas mais felizes têm mais facilidade de se casar. Parece algo plausível, afinal, se você é uma pessoa “naturalmente mais alegre”, ou que está em uma situação confortável na vida, pode ter mais facilidade em um relacionamento do que alguém “naturalmente mais triste”, ou que passa, digamos, dificuldades financeiras.

Ora, mas se isso é uma hipótese válida, não poderia ser que observamos os casados mais felizes do que os solteiros justamente porque aqueles que são  (ou estão) mais felizes se casam mais facilmente? Aí entra o problema de identificação entre causa e conseqüência – casar deixa as pessoas mais felizes ou as pessoas mais felizes se casam mais?

Há diversos estudos sobre este assunto em particular. Em geral, do que já li, as conclusões são ambíguas, mas tendem a aceitar as duas hipóteses: sim, pessoas felizes casam mais; contudo, ainda assim há um efeito positivo do casamento em si sobre a felicidade do casal. Para não ficar sem citar nada, um em particular que trata do assunto e que sempre me vem à cabeça (por causa do título fácil – olhe a importância de um bom título) é o do Bruno Frey “Does marriage make people happy,or do happy people get married?”, autor que tenho evitado mencionar pois se envolveu em caso de (auto)plágio.

Há vários exemplos que poderíamos abordar. Por exemplo, no Brasil, as universidades públicas são realmente melhores do que as universidade particulares (como diz o senso comum), ou essa impressão decorre simplesmente do fato de que os melhores alunos acabam indo para as universidades públicas? Crianças que passam muito tempo em frente à televisão se tornam “anti-sociais” ou crianças que não gostam tanto de sair passam muito tempo em frente à televisão justamente para evitar contato?

Por fim, gostaria de ressaltar que se percebe daqui que dados, sozinhos, não nos fornecem muita coisa. Infelizmente, os dados não falam por si, é preciso tratá-los, interpretá-los. Para isso é essencial uma boa teoria que explique a relação observada. Às vezes, quando muito bem deduzida, a teoria por si só pode ser suficiente. Entretanto, como não somos infalíveis e em geral nossas especulações não são completas, nunca é demais – e às vezes pode ser o melhor que temos – tratar os dados estatisticamente e confrontar teoria com realidade.