Em que sentido a noção de probabilidade frequentista é objetiva?


Já vi algumas pessoas contrastarem as concepções de probabilidade Bayesiana e Frequentista do seguinte modo: os primeiros consideram que a aleatoriedade é um problema de conhecimento, subjetivo, enquanto os segundos interpretam a aleatoriedade como inerente ao processo físico, algo objetivo.

Esta contraposição não me parece a principal, além de ser bastante imprecisa.

Grosso modo, a probabilidade frequentista é definida da seguinte maneira. Suponha um conjunto arbitrário de condições complexas S. Defina a probabilidade p do evento A como o limite de ocorrências do evento A sob tais circunstâncias S,  p=P(A/S).

Em que sentido esta definição de probabilidade – e de aleatoriedade –  seria objetiva?

Kolmogorov expõe:

Para dadas condições S as propriedades de o evento A ser aleatório e de ter a probabilidade p=P(A/S) expressa o caráter objetivo da conexão entre S e o evento A. Em outras palavras, não existe nenhum evento absolutamente aleatório; um evento é aleatório ou determinístico dependendo da conexão sob a qual é considerado, mas sob certas condições um evento pode ser aleatório em um sentido completamente não subjetivo, i.e., independentemente do conhecimento de qualquer observador. Se nós imaginarmos um observador que domine todos os detalhes e circunstâncias particulares do lançamento de um projétil, e portanto é capaz de prever para cada um seu desvio com relação à trajetória média, sua presença ainda assim não impediria os projéteis de se dispersarem conforme as leis da probabilidade, desde que, obviamente, o tiro fosse feito da maneira usual, e não conforme as instruções de nosso atirador imaginário.

Ou seja, a aleatoriedade “percebida” pelo sujeito é determinada pelos conjuntos ou subconjuntos de S que este é capaz de distinguir.

Para aquele que apenas consegue discernir que o projétil foi disparado pelas condições S, A trata-se de um evento aleatório cuja probabilidade, em um tiro específico, é p=P(A/S). Já, por exemplo, para um outro observador capaz de distinguir cada subconjunto específico do lançamento S’, o evento A é determinístico, e este é capaz de dizer de antemão, para cada projétil, se p’=P(A/S’) é igual a zero ou um – muito embora sua capacidade não modifique a distribuição sob S.

Isto é, nesta definição, existe tanto um caráter “físico” da aleatoriedade (a distribuição de resultados sob S é definida independentemente do seu conhecimento), quanto um caráter “subjetivo” e informacional para a aleatoriedade “percebida” (a probabilidade que você percebe para o evento A, em um teste específico, depende do seu conhecimento).

Uma partida de futebol pode mudar o resultado das eleições?


Tomando como analogia este estudo, sim.

A hipótese é a de que, quando você está de bom (mau) humor, você tende a gastar mais tempo avaliando o lado positivo (negativo) das coisas, inclusive do atual governante.

Os autores buscaram testar esta hipótese analisando os jogos esportivos locais. Sabe-se que os resultados desses jogos afetam o bem-estar das pessoas e não são frutos de decisões políticas. 

Em tese, portanto, você não deveria mudar a avaliação sobre um governante simplesmente porque seu time ganhou um jogo na última semana.

Contudo, os resultados encontrados indicam que, na média, as pessoas mudam o voto – e os valores encontrados foram relativamente altos! Uma vitória do time local, 10 dias antes das eleições, poderia aumentar os votos para o candidato da situação em até 1.13 pontos percentuais.

A primeira reação a esse valor pode ser – como foi a minha – a de pensar que estamos diante de uma correlação espúria. Ora, não é possível que um mero resultado de um jogo mude tanto os resultados de uma eleição… Mas os autores são cuidadosos e têm uma retórica persuasiva. Primeiro, eles controlam para outros fatores e isso não muda muito a magnitude do coeficiente. Segundo, eles realizam um teste placebo, buscando verificar se jogos futuros afetam as eleições no passado (o que seria absurdo) e encontram coeficientes quase iguais a zero e estatisticamente insignificantes.

Mas, além dos dados acima – não experimentais – os autores aplicam questionários durante um campeonato de basquete universitário. Neste caso, é possível controlar com mais cuidado fatores diversos que permitiriam encontrar uma correlação espúria. Os resultados foram similares – cada vitória elevava a aprovação de Obama, na média, em 2.3 pontos percentuais. E, fato interessante, quando os participantes foram informados dos resultados dos jogos antes de se perguntar sobre Obama, o efeito desapareceu! Isto é, uma vez que o sujeito se torna consciente do que está afetando seu bom humor, ele não deixa isso afetar outras áreas de sua vida, como o julgamento sobre o desempenho de um político.

Com dados eleitorais e esportivos abundantes no Brasil, acredito que seja possível replicar este estudo por aqui.

Via Andrew Gelman e Marginal Revolution.

É errado discriminar preço por gênero? 2


Havíamos comentado aqui sobre o estado de Nova York proibir preços diferentes para os cortes de cabelo masculino e feminino.

Agora saiu de novo no Wall Street Journal: União Europeia decide que companhias de seguro não poderão mais diferenciar o preço do prêmio por gênero. Provavelmente, na média, assistiremos a um aumento do preço de seguros de carro e de vida para as mulheres na Europa.

Na reportagem sobre os Salões de Beleza, uma das entrevistadas tinha perguntado:

“What about insurance? Man’s life insurance costs more than women. Same thing with car insurance.”

“E o seguro? O seguro de vida do homem é mais caro do que o das mulheres. Mesma coisa com seguro de carro.”

Às vezes é melhor nem perguntar!

(Via Andrew Gelman)

Ainda o Nobel: sobre a Matemática


Aproveitando o prêmio Nobel, o EconLog trouxe uma passagem do artigo de Galey e Shapley, sobre a matemática, que vale ser citada integralmente:

Finally, we call attention to one additional aspect of the preceding analysis which may be of interest to teachers of mathematics. This is the fact that our result provides a handy counterexample to some of the stereotypes which non-mathematicians believe mathematics to be concerned with.

Most mathematicians at one time or another have probably found themselves in the position of trying to refute the notion that they are people with “a head for figures.” or that they “know a lot of formulas.” At such times it may be convenient to have an illustration at hand to show that mathematics need not be concerned with figures, either numerical or geometrical. For this purpose we recommend the statement and proof of our Theorem 1. The argument is carried out not in mathematical symbols but in ordinary English; there are no obscure or technical terms. Knowledge of calculus is not presupposed. In fact, one hardly needs to know how to count. Yet any mathematician will immediately recognize the argument as mathematical, while people without mathematical training will probably find difficulty in following the argument, though not because of unfamiliarity with the subject matter.

What, then, to raise the old question once more, is mathematics? The answer, it appears, is that any argument which is carried out with sufficient precision is mathematical, and the reason that your friends and ours cannot understand mathematics is not because they have no head for figures, but because they are unable [or unwilling, DRH] to achieve the degree of concentration required to follow a moderately involved sequence of inferences. This observation will hardly be news to those engaged in the teaching of mathematics, but it may not be so readily accepted by people outside of the profession. For them the foregoing may serve as a useful illustration.

O Noah Smith também aproveita o tema para desenvolver um pouco sobre a matemática e a economia.

Nobel vai para teoria dos jogos: Alvin Roth e Lloyd Shapley


Bacana, o prêmio Nobel vai para dois autores de teoria dos jogos, Alvin Roth e Lloyd Shapley!

Eu gosto bastante dos trabalhos de Alvin Roth, já havíamos falado dele aqui. Ele é um autor que, apesar da sofisticação técnica, busca aplicar, com sucesso,  a teoria dos jogos na prática.

Na lista de blogs à direita, você encontrará um chamado Market Design, cujo autor é o Alvin Roth. Tendo em vista a notícia, o post de hoje  é de que talvez o blog se atrase – mais do que merecido!

Experimentos na Economia


Bastante interessante a entrevista com John List, em que ele defende um maior uso de experimentos na Economia.

Um dos experimentos que ele menciona é sobre a aversão à perda. Alunos que recebiam 20 dólares no início das aulas e tinham de tirar notas boas para mantê-los, na média, acabavam indo melhor na disciplina do que aqueles alunos a quem eram prometidos 20 dólares ao final do curso caso tirassem boas notas. A interpretação do resultado é a de que as pessoas tem mais medo de “perder” algo que já têm do que “perder” algo que ainda vão ganhar.

Gostaria de ver isso replicado aqui no Brasil, mas com a seguinte questão: será que turmas em que os alunos começam o semestre com a nota 10, e vão perdendo pontos caso falhem nas atividades propostas, irão realmente superar em grande montante o rendimento de alunos que comecem com a nota zero, e vão acumulando pontos caso completem com sucesso os exercícios de aula?

Acredito haver muito espaço para economia experimental no Brasil. Nos últimos 4 anos da RBE (2008-2011), apenas um artigo tratou do tema.

(via Mankiw)

O “lucro” Brasil II


Em post anterior havíamos falado sobre o “lucro” Brasil e que essa “explicação” para os altos preços dos automóveis brasileiros tem ganhado popularidade, inclusive entre economistas.  Agora vamos esclarecer por que essa explicação não está correta e por que a causa do preço alto é o que todos conhecemos como custo Brasil, incluindo o protecionismo, direto e indireto, bem como a alta carga tributária local.

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Esclarecimento 1: Margem de lucro alta não implica em preço alto – nem vice-versa.

Como dito no post anterior, preços são como um termômetro e refletem fatores reais da economia,  resultantes do cotejamento entre oferta e demanda. Corolário disso é que uma margem de lucro alta e  um preço total (ou “nominal”) alto não precisam ter relação. Vejamos alguns contraexemplos.

A soja tem seu preço definido internacionalmente, ou seja, tem virtualmente o mesmo preço nominal em dólar em todos os países. Entretanto, cada país produtor terá uma margem de lucro diferente, em virtude de sua produtividade. A margem de lucro alta, neste caso, refletiria a eficiência relativa do produtor em relação aos seus concorrentes. E, diferentemente do caso dos automóveis brasileiros, não seria algo ruim – preço baixo com lucros altos.

Agora  ilustremos com o caso dos carros. Existiria a possibilidade de a margem média de lucro das montadoras brasileiras aumentar e ainda assim os preços caírem? Sim. Imagine que montadoras mais agressivas – ou mais eficientes – instalem suas fábricas no Brasil. A entrada destas montadoras poderia forçar os preços para baixo e, ainda assim, por elas serem mais eficientes e mais lucrativas, a margem média de lucro do setor poderia aumentar.

Ou ainda, é possível que a margem de lucro do setor de automóveis abaixe e ainda assim os preços aumentem? Sim. Imagine que o governo introduza uma margem de lucro máxima, digamos, de 10%. Como sabemos, a margem de lucro é calculada em cima do preço do veículo.  Este tipo de regulamentação premiaria as montadoras mais ineficientes, pois, quanto maior seu custo total, maior o lucro que é permitido à empresa auferir (pense, você prefere lucrar 10% sobre R$100,00 ou 10% sobre R$1.000,00?). Então, a depender das condições de oferta e demanda, isso poderia resultar em uma margem de lucro menor e um custo maior para os carros brasileiros.

Pela exposição acima, deve ter ficado claro que uma margem de lucro alta não é nem condição necessária, tampouco condição suficiente para preço alto. E, portanto, não explica, por si só, um preço alto.

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Esclarecimento 2:  Carro é bem comercializável e a arbitragem faria valer a lei do preço único. Se aqui o carro é mais caro é porque há restrições que impedem a arbitragem.

Automóveis são o que chamamos de bens comercializáveis. Isto é, são bens sujeitos à importação e à exportação, de modo que seu preço, na ausência de barreiras, não é determinado no mercado interno, mas sim no mercado internacional.

Deste modo, a arbitragem garante que um mesmo automóvel custe o mesmo preço (acrescidos os custos de transação, inclusive os impostos) em qualquer lugar do mundo. Por exemplo, o Kia Soul custa R$ 18 mil no Paraguai, mas no Brasil custa mais do que o dobro. Suponha que não existam altos impostos nem barreiras à importação. Neste caso, o que aconteceria? Bastaria trazer o Kia paraguaio e revendê-lo no Brasil para se lucrar muito dinheiro.  As pessoas fariam isso até que a oportunidade de lucro diminuísse a ponto de a diferença de preços se tornar irrisória.

Se isso não acontece é porque o governo impõe restrições à arbitragem. Existem medidas protecionistas tanto por meio de regulamentação (como, por exemplo, a proibição de se importar carro usado) quanto por meio de tributação (como, por exemplo, o IPI). Além disso, existem os impostos locais sobre o comércio (como ICMS) além de impostos sobre o lucro e a mão-de-obra. São esses fatores que impedem a arbitragem dos preços dos carros.

A exposição acima evidencia um fato simples: o protecionismo e a carga tributária são a causa do preço alto, no sentido de que, caso fossem reduzidos a ponto de permitir a arbitragem, os preços brasileiros convergiriam aos preços internacionais. Isto é, a redução de ambos é condição suficiente para preços baixos – independentemente do que ocorresse com a margem de lucro.

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Neste ponto do argumento, muitos dos que defendem a tese do “lucro” Brasil acabam por simpatizar com as montadoras “brasileiras” e a defender as medidas do governo. Afinal, caso não existisse proteção, o que ocorreria com a indústria nacional?

Acontece que, pelos próprios dados apresentados para “provar” a tese do “lucro” Brasil, é possível demonstrar que as montadoras brasileiras teriam condição de competir internacionalmente: o Gol I-Motion fabricado internamente é vendido no Chile por R$ 29 mil, enquanto que, aqui, custa R$ 46 mil. E é o Custo Brasil que te impede  de arbitrar em cima da própria Volkswagen.

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Resumindo, o problema dos carros brasileiros não é o consumidor otário que aceita pagar caro. Tampouco a solução é parar de comprar carro zero. O problema é a carga tributária em cima da produção doméstica, a carga tributária em cima das importações, a intervenção cambial e outras formas de protecionismo. E é contra isso que você tem que se indignar.